quarta-feira, 1 de julho de 2009

Psicologia e Odontologia

As bases arquetípicas da prática de psicologia

Esta monografia consiste de uma proposta de aplicação dos conceitos de Psicologia Analítica em áreas afins. Procura-se demonstrar que toda atividade humana possui um padrão interno de organização; há sempre uma constelação arquetípica determinando nossos atos e pensamentos
Muitos profissionais não têm noção da profundidade dos eventos de suas vidas. A civilização ocidental valoriza o visível, o constatável. Costumamos não considerar os aspectos ocultos da nossa profissão e da vida em geral. Nossa cultura valoriza a razão, negligenciando o inconsciente, fonte de energia e criação.Baseando-se nos conceitos de Psicologia Analítica, fez-se uma tentativa de aplicação dos mesmos na Área da Saúde, especialmente na Odontologia.

O cuidado com a Região bucal é presente desde as épocas mais remotas. Pode-se dizer que trata-se de um situação arquetípica, onde uma pessoa zela pela saúde bucal de outra. A relação entre dentista e paciente pode ser melhor compreendida ao se analisar o simbolismo da Boca: é a sede da palavra, órgão de entrada e saída, veículo do prazer, da agressividade, e primeira fonte de contacto com o mundo externo (seio materno). O manuseio desta região tão complexa implica numa ativação de conteúdos internos aí projetados. O que se procura valorizar nesta monografia é o aspecto subjetivo da profissão de cirurgião dentista. Faz-se uma tentativa de enfatizar a pessoa do dentista e a pessoa do paciente; trata-se de focalizar quem executa a quem recebe o ato odontológico. Acredita-se que esta análise possa auxiliar no esclarecimento de alguns episódios freqüentes da prática clínica.

A relação paciente–dentista e a reação do paciente ao tratamento depende basicamente da interação dos complexos de ambos. O "medo do dentista" é algo tradicional, pode-se dizer até arquetípico. O profissional atento pode desempenhar melhor sua atividade, mediante a auto-análise e a percepção das dificuldades do paciente. Torna-se, assim, capaz de modificar a tonalidade de sua atuação, de acordo com o que a situação requer.
Foram identificados, a princípio, cinco arquetípos atuando sobre o cirurgião dentista. São eles:
O ARQUÉTIPO DA GRANDE MÃE
A boca associa-se à femilidade, à nutrição, à criação, ou seja, ao arquétipo da grande mãe. O cirurgião dentista possui uma atuação ambígua; promove simultaneamente saúde, nutrição, transformação, dor, invasão, medo. Assim sendo, a tonalidade com que o profissional articula o arquétipo da Mãe dentro de si influencia seu modo de atuação, promovendo desde uma atitude delicada até uma postura rígida em relação ao paciente. Este também se relaciona com o dentista de modo pessoal. Focalizando-se o arquétipo da Grande Mãe, conclui-se que o paciente que se relaciona mais com o aspecto sombrio deste arquétipo pode projetar no dentista a figura da "mãe terrível". O bom profissional dever ser capaz de lidar com esta situação de forma a beneficiar o tratamento. Isto requer uma capacidade de interiorização rara numa área como a Odontologia, onde o foco recai sobre técnicas e materiais.

A busca pela proteção, cuidado e amparo está relacionada à constelação do complexo materno. Esta procura geralmente se acentua nos momentos difíceis da vida, quando se busca o maternal na mãe, na Natureza, no médico, na igreja. Talvez seja esta uma explicação viável para a quantidade de doenças que se estabelecem em épocas de crise emocional, quando necessitamos de cuidados allheios. Os sintomas físicos podem ser expressões de desordens psíquicas. Este aspecto pode ser futuramente melhor detalhado, abrindo neste trabalho um espaço para a Psicossomática.

O ARQUÉTIPO DO PAI
Através da relação com o filho, o pai deve exercer e estimular nesta as ? da personalidade que constituirão o complexo paterno. É necessário que a criança encontre uma figura externa que sustente esta projeção.
Uma situação bastante comum em Odontopediatria é a recusa ao tratamento. O pequeno paciente pode muitas vezes ser agressivo, rebelde e indisciplinado. Cabe ao profissional, nesta situação, assumir uma postura rígida, autoritária, ordenadora. Deve transformar-se num pai temporário, para que este arquétipo se constele também na criança. Isto pode ser conseguido mediante o aumento no tom de voz, uma força maior no toque, uma imposição de disciplina. Na verdade, o paciente que requisita tal atitude é , quase sempre, um "pequeno manipulador" de situações, que conta com a cumplicidade da mãe. A necessidade de um pai ativo pode se manifestar durante o tratamento dentário, como tentativa inconsciente de integração desta possibilidade.

O ARQUÉTIPO DO HERÓI
Os profissionais da Área da Saúde deparam-se muitas vezes com casos de difícil resolução; estão constantemente personificando um herói para vencer a batalha contra a doença e o sofrimento. O perigo reside no fato de identificar-se com esta figura, deixando-a dominar a personalidade. A vivência heróica, quando excessiva, exige do profissional um desempenho que pode estar além da sua aptidão. Todos temos limites, mas aceitá-los parece ser difícil para os heróis da modernidade. Se o profissional não aceitar suas limitações, não poderá conduzir seus paciente à aceitação das mesmas.

Para desempenhar um papel com segurança, é preciso que se aprendam todos as suas modalidades. O profissional precisa saber de que é apenas o instrumento de manifestação dos arquétipos muitas situações estão além do seu controle, e a cobrança por parte da sociedade ou do próprio ego pode ser desgastante."A formulação e a transformação do ego ocorrem durante toda a vida, e a percepção de sua interdependência com o todo e da entrega final do ego é fundamental".( ANDREW SAMUELS, Jung e os Pós Junguianos, p-80).

O ARQUÉTIPO DO TRICKSTER
O Trickster corresponde a uma experiência psíquica interior. É descrito como tolo, caprichoso, malandro. É capaz de transformar-se e de desenvolver qualquer função. É criativo e divertido. A boa articulação do Trickster fornecer ao cirurgião dentista uma maleabilidade de atuação e uma capacidade de improvisação. Estas são características básicas no exercício da Odontopediatria. O Trickster é extremamente poderoso quando atua à nosso favor. O homem moderno parece Ter negligenciado a relação com o Trickster, que surge então quando nos encontramos à mercê de circunstâncias irritantes, que se opõem à nossa vontade.

O Trickster da mitologia indígena pode ser comparado à figura alquímica de Mercúrius, bem como à figura de Hermes da mitologia Grega, o deus que tem facilidade em movimentar-se na semi-obscuridade. O profissional da Área de Saúde deve ser capaz de circular pela luz e pelas trevas, pelo conhecido e pelo oculto. Desempenhará melhor seu papel se puder desenvolver um estilo hermédico, mercurial.

O ARQUÉTIPO DO CURADOR FERIDO
Na atualidade, os profissionais adotam uma postura de auto-imunidade às doenças, projetando-as integralmente no paciente. A compaixão e a impatia pelo sofrimento alheio parecem só existir naqueles que reconhecem a própria vulnerabilidade.
Ao voltarmos à mitologia, percebemos que QUÍRON, o centauro, era um curador que possuía uma ferida eternamente aberta. Este ferimento próprio é que lhe garantia a possibilidade de curar o próximo; através das projeções que faz e recebe do paciente, o curador experimenta suas próprias feridas. Gugenbühl-Craig afirma que não só o paciente tem um médico dentro dele, mas há também um paciente no médico (Gugenbühl-Craig, o Poder na Profissão de Ajuda).
Enfrentar e tentar curar o sofrimento do próximo é, na verdade, uma tentativa de lidar com o próprio sofrimento. Conscientizar-se disto é ser um profissional completo.O que se espera desta monografia é alertar os profissionais em questão para aspectos ainda inexplorados de sua área de atuação. É necessária uma maior consideração pela personalidade humana, pelas crenças e prioridades que possuímos enquanto indivíduos. Precisamos focalizar o paciente como um como um todo, a fim de obtermos melhores resultados clínicos.
Há um velho provérbio clássico da odontologia:"A Odontologia é uma profissão que exige dos que a ela se dedicam: os conhecimentos científicos de um médico, o senso estético de um artista, a destreza manual de um cirurgião e a paciência de um monge”. Vale aí acrescentar "o olhar profundo de um psicólogo”!
Autora: Selma Knopfholz Morgenstern Axelrud